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segunda-feira, março 14, 2005

Terapias Regressivas. O trauma escondido, a vida passada, deitados no divã. (1)

A terapia regressiva, a que muitas vezes se lança mão como último recurso, tem vindo a ganhar cada vez maior expansão e amiúde resolvido traumas profundos a que mais nada consegue dar resposta. São casos de episódios há muito forçosamente esquecidos, ou de marcas deixadas por vidas aparentemente vividas num passado distante. E a que psicólogos e terapeutas, gente de ciência, procura dar resposta com um regresso a esse passado guardado no subconsciente.

"Então, não vê nada?", insistia o psicólogo com uma voz grave e calma. De olhos fechados, Andreia observava atentamente o breu que as pálpebras impunham, mas nenhuma imagem lhe surgia. "Um som?", retomou a voz masculina. Um sino. Ouvia um sino. "Uma textura?, continuou ele. Pedra, pedra dura e fria. O granito de uma igreja. Pouco a pouco, a Andreia começou a sentir-se agarrada de ambos os lados. Estava numa igreja e os sinos soavam. Um multidão enraivecida enchia o espaço de uivos ruidosos. E homens, um grupo de homens, sentados onde devia estar o altar, decidiram algo sobre a sua vida. O ambiente era pesado, repleto de ódio e de raiva, e Andreia sabia que o fim não lhe seria promissor. Mas não tinha medo. Não tinha medo nenhum, porque ouvia a voz do psicólogo ao longe e sentia a tranquilidade do seu corpo e sabia que estava tudo a salvo. Mais do que tudo, sentia que aquela era a solução para o problema que a perseguia há tanto tempo. Tinha de passar por aquilo para ser curada.
Tudo começara quatro anos antes. Sem razão aparente, Andreia começara a notar o aparecimento gradual de manchas pelo corpo inteiro. Grandes, salientes, algumas acabando em feridas abertas. Alastraram pelo pescoço, pernas e braços, e não havia médico que conseguisse expulsá-las definitivamente. Começaram por dizer-lhe que era do sol, mas nem o frio do Inverno as secava. Depois conscluiu-se que as manchas pioravam no momento de tensão do dia-a-dia apressado de Andreia. Entre teorias múltiplas e experiências com os mais diversos fármacos, não se verificavam quaiquer evoluções. Passaram-se meses até que a medicina convencional sugeriu o uso de cortisona como o único recurso capaz de debelar as crises. "Mas não, nem me passava pela cabeça continuar a tomar sistematicamente algo tão forte. Até porque, pouco a pouco, comecei a perceber que as manchas não eram só um sintoma físico. Sentia que não era só o meu corpo que precisaca de cura. Também o meu espírito e a minha mente pediam ajuda."
Na altura, Andreia lia uma obra técnica sobre terapia regressiva e o assunto, em vez de aguçar o cepticismo racional que lhe caracterizava a vida profissional, despertara-lhe antes a curiosidade. Andreia sentia que aquela era a resposta para o seu mal e, desesperada com a falta de soluções lógicas, não hesitou. Em poucos dias, deitava-se na cadeira reclinável do consultório. De olhos bem fechados continuava presa pela multidão, enquanto o grupo de "juízes" decidia a sua sorte. Paciente e calmo, o psicólogo sabia que aquele era um momento de grande tensão, mas já havia preparado a paciente. Com a ajuda de música relaxante e várias técnicas de respiração, levara-a a um estado modificado de consciência onde a tranquilidade lhe tomara conta do corpo. Não havia nada a temer.
De repente, a multidão entrou em alvoroço e a ré percebeu que asentença fora dada. Os braços que a agarravam arrastaram-na para fora da igreja, onde o povo gritava a uma só voz. "Nesta altura eu já tinha percebido o que estava a acontecer. Era uma bruxa e tinha sido condenada. Também sentia que era inevitável, porque eu vivia numa cabana pobre e isolada, e era curandeira. Sei que tinha a noção que podia ser condenada pelo que fazia, mas naquela altura isso não seria uma surpresa, acontecia frequentemente. Não vi nada com detalhes, limitava-mea identificar certezas que me vinham à mente. Sei, por exemplo, que nada disto se passou em Portugal. Tive consciência de que não era neste espaço físico que estava a viver."
Na praça, o povo pedia sangue e ainda jubilou mais quando prenderam a condenada a um tronco e atearam fogo. Primeiro, o fumo. Um fumo que tornou o ar do consultório mais espesso. Deitada na cadeira reclinável, Andreia sentiu a garganta arranhada, o coração a disparar e a falta de oxigénio. Pouco a pouco foi sentindo as chamas, a pele a secar, encarquilhar e cair. Não sentiu dor, mas sabia o que lhe estava a acontecer. No consultório, Andreia não chorou, nem gritou. No fundo, sabia que estava a salvo, sabia que aquele pesadelo não sairia da sua memória.
De um momento para o outro, deixou de sentir a pele, o fumo que não a deixava respirar e os gritos de júbilo da multidão. Estava a levitar, noutra dimensão, sobre aquele cenário mórbido. Morrera e na morte sentia uma paz, uma tranquilidade, uma sensação de pertencer a algo muito maior, mais sábio e grandioso. Nunca se sentira tão bem. Tão tranquila consigo mesma e com o mundo. Estava em paz.
Depois desta sessão, Andreia ainda quis tratar outros sintomas que a apoquentavam. Mas as manchas, que lembravam a bruxa que fora outrora, desapareceram por completo. Hoje, acredita plenamente na reencarnação e, embora admita que esta visão possa ter sido uma criação da sua mente, a verdade é que a morte já não a assusta. Nem a morte, nem o mundo que a rodeia, nem a multidão que antes a aterrorizava.
"Sempre tive muito medo de falar durante as reuniões, era tímida com quem não conhecia. Hoje já deixei de ver os estranhos como 'juízes' e sinto-me muito mais livre. Penso que ter regredido a uma experiência de pós-morte também me ajudou a perceber que fazemos parte de um todo e esse todos é muito bonito e tranquilo. Não há nada a temer."

(in Revista Pública Nº 362 / 4 de Maio 2003)




Untitled by Rene Asmussen

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