sexta-feira, abril 01, 2005
Como muitos dos pacientes que se submetem à terapia regressiva, Paulo tinha uma fobia. Um medo que lhe tolhia os movimentos, que perseguia o seu dia-a-dia, que não o deixava descansado. Paulo tinha medo de comer. Tudo começara de repente, como se o corpo pedisse atenção. Um indisposição aqui, outra ali, depois um mal-estar constante. Pouco a pouco e vendo a situação piorar, Paulo começou a ter medo de comer, com medo de ficar mal disposto. Depois de vários exames e sem que os médicos encontrassem qualquer desordem significativa, concluiu-se que o problema seria de "ordem nervosa".
Paulo passou então à segunda hipótese: um psiquiatra. Durante algum tempo, foram-lhe receitados antidepressivos e ansiolíticos. Sem efeito. Paulo continuava mal disposto e limitara a dieta a muito poucos géneros alimentícios. Quando tudo parecia perdido e o paciente condenado à subnutrição para o resto da vida, foi-lhe apresentada uma psiquiatra credenciada em terapias regressivas. Era a última solução, a derradeira esperança. Experimentar-se-ia, uma vez que tudo o resto tinha falhado.
Durante cerca de ano e meio, Paulo submeteu-se a várias sessões de terapia, umas de regressão, outras somente de apoio. Até ao dia em que psiquiatra e paciente decidiram trabalhar a área da insegurança alimentar. E foi aí que a vida de Paulo mudou. "Geralmente pensamos que nos conhecemos bem, mas só depois de fazermos terapia é que percebemos que somos uns eternos desconhecidos de nós mesmos. O mais curioso é que achamos que o problema reside numa certa área emocional e só depois percebemos estar 180 graus do outro lado. É como se tivéssemos um mecanismo de defesa que nos impede de ver o problema verdadeiro".
Ao contrário do que estava à espera, Paulo viu-se como um arruaceiro da Idade Média. Corpulento e bruto, andava a cavalo seguido dos seus seis sequazes, também eles fortes. Na regressão, viu-se chegar a uma taberna, "daquelas antigas com uma estrutura ovalada e baixa. "Entrámos para uma sala larga e comprida, com mesas de madeira maciça e bancos corridos em seu redor". Deitado no divã, o paciente ouviu a algazarra que o arruaceiro e os seus homens faziam, sentiu o metal frio da caneca por onde bebiam o vinho e observou a mulher franzina que, a medo, os observava atrás do balcão. "Como chefe do grupo de arruaceiros que era, eu tinha o privilégio de violar a taberneira num compartimento contínuo àquele, cada vez que lá ia. Ela devia ter entre 25 e 30 anos e olhava para mim aterrorizada, mas eu nem lhe ligava".
Nesse dia, a mulher vingou-se e envenenou-o colocando algo no vinho. O arruaceiro sentiu-se muita mal, vomitou, caiu. "Ainda me lembro de olhar para ela como se lhe adivinhasse o acto criminoso. Naquele dia jurei a mim mesmo nunca mais confiar em nadado que pusesse na boca". Nesta vida, Paulo lembrou-se dos avisos constantes da mãe. "A comida cá de casa é que é boa", "não comas porcarias lá fora" e "tem cuidado para não ficares mal disposto", conselhos que nunca mais lhe saíram da memória. Tudo isso acabou por acentuar o medo de ficar doente, de morrer envenenado e, no fundo, de confiar no que quer que fosse que comesse ou bebesse. No final da regressão, o paciente comprometeu-se a comer um ovo estrelado quando chegasse a casa, prato que antes o "aterrorizava". Mas desta vez nada aconteceu. Paulo comeu e gostou, e hoje já ultrapassou cerca de 90 por cento das situações de fobia que o limitavam. Perceber o que lhe acontecera e como foi o maior e primeiro passo. O segundo foi ter coragem para abandonar o medo e os comportamentos que o apoquentavam. "Hoje estou no céu", admite, mesmo sabendo que a existência de vidas passadas não está provada. "Porque, para mim, a vivência do que experimentei foi muito real e tenho agora uma certeza interior muito grande. Certeza de que já vivi outras vidas noutras épocas. Sei que a vida continua mais além".
(in Revista Pública Nº 362 / de Maio 2003)
666 by Marino Thorlacius